Grupo vocal e instrumental formado no início dos anos 70 em São Paulo, gravou o primeiro disco em 1973, causando polêmica por sua atitude ousada e performática. O disco vendeu cerca de 300 mil cópias, um verdadeiro feito na época para uma banda até então desconhecida. No ano seguinte o Secos & Molhados saiu em turnê pelo Brasil, lotando teatros e até mesmo o ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Em 1974, eles gravaram mais um LP, mas Ney Matogrosso desligou-se da banda e partiu para a carreira solo, assim como João Ricardo. O grupo voltou a se reunir outras vezes, com formações diferentes. Os grandes sucessos da fase inicial foram "Sangue Latino" (João Ricardo/ Paulo Mendonça), "O Vira" (J. Ricardo/ Luli), "Rosa de Hiroshima" (Gerson Conrad/ Vinicius de Moraes), "Flores Astrais" (J. Ricardo/ J. Apolinário) e "Tercer Mundo" (J. Ricardo/ Julio Cortázar). O grupo era composto por: Ney Matogrosso, voz; João Ricardo, voz, violões, harmônica de boca; Gerson Conrad, voz e violões; Wander Tosh, guitarra e violão; Lili Rodrigues, voz; João Ascensão, baixo; Gel Fernandes, bateria; Lazy, teclados e Rubão, percussão. Texto : Edmilson Utta.
Foto: Antônio Carlos Rodrigues
Durou um ano, um ano e meio no máximo. Foi o suficiente para marcar uma geração e fazer história. Até hoje, os Secos & Molhados são lembrados por quem viveu a onda e cultuados por muita gente que nem era nascida quando o Brasil conheceu aqueles músicos de cara pintada, roupas e adereços coloridos, uma coreografia nunca vista antes e, principalmente, uma música original (ainda que não revolucionária como a de outra banda “cult” da época, os Mutantes) e de primeiríssima qualidade.
“Surgiram e acabaram logo (...) como se tivessem sido o brilho súbito de um quasar, uma suave explosão, um sonho irrepetível”, escreveu o jornalista Luiz Carlos Maciel no encarte do CD da série Dois Momentos que juntou os LPs dos Secos & Molhados de 1973 e 1974. O som do Secos & Molhados era resultado da bagagem musical do criador da banda, o português João Ricardo (violões, harmônica e voz), de Ney Matogrosso (voz) e Gerson Conrad (violões e voz). O rock era a referência principal, mas Ney levava um conhecimento de música brasileira que os outros não possuíam.
O primeiro LP, de 1973, com Ney e João (de barba) na frente, Gerson (de bigode) e Frias atrás: um sucesso como nunca havia sido visto no Brasil.
“O Vira”, do primeiro LP do Secos & Molhados (1973), da gravadora Continental, é uma das primeiras músicas que me lembro de ter ouvido na vida. Para mim, e para muitas crianças, a letra era lúdica e repleta de referências: remetia a histórias contadas pelos pais, fantasias, brincadeiras e cores. Os adultos ficaram fascinados pelo som e pelo visual dos músicos – e, também, pelos requebros de Ney Matogrosso, que despertaram a libido de muitas mulheres e homens. A aparição no programa de estréia do “Fantástico”, em setembro de 1973, transformou o Secos & Molhados em mania nacional: em apenas um mês, foram vendidas 300.000 cópias do LP de estréia – um número inimaginável numa época em que os LPs mais vendidos alcançavam 50.000 cópias por ano. Dez meses depois, a marca de um milhão estava prestes a ser superada.
O nome da banda era uma frase comumente vista nos empórios e mercados: para resumir a variedade de artigos à venda, muitos proprietários escreviam na fachada que vendiam “secos e molhados”. A famosa capa do LP de 1973 mostra Ney, João, Gerson e o baterista Marcelo Frias com as cabeças “servidas” em bandejas colocadas sobre uma mesa com garrafas de vinho, pães, batatas, cebolas, biscoitos e grãos – os tais “secos e molhados” encontrados nos empórios. Mas, quando o disco chegou às lojas, Frias já estava fora do grupo. Existem duas versões para sua saída. Uma: ele se recusava a usar maquiagem e seguir o visual dos outros integrantes. Outra: em dúvida quanto às perspectivas de sucesso do Secos & Molhados, o baterista teria preferido continuar a trabalhar por conta própria em vez de se comprometer em tempo integral com uma banda ainda não consagrada.
“Sangue Latino”, “O Vira” e “Rosa de Hiroshima” foram as faixas de maior sucesso. Quem comprou o disco pôde conferir ainda “Amor”, “O patrão nosso de cada dia”, “Assim assado”, “Mulher barriguda”, “El Rey”, “Prece cósmica”, “Rondó do capitão”, “As andorinhas” e “Fala”, que completavam a obra. Poetas de primeira linha tiveram obras musicadas por João e Gerson. “Rosa de Hiroshima” era de Vinicius de Moraes; “Rondó do capitão”, de Manuel Bandeira; e “As andorinhas”, de Cassiano Ricardo.
Segundo LP, de 1974. Tão bom quanto o primeiro, mas pouco divulgado: foi lançado quando Ney e Gerson já haviam saído do Secos & Molhados. O Secos & Molhados tinha tudo para fazer sucesso por muitos anos, mas as brigas internas colocaram tudo a perder. João Ricardo colocou seu pai, João Apolinário (jornalista, crítico de teatro e co-autor de algumas letras das músicas do S&M), para empresariar a banda. Depois de muitas discussões, Ney e Gerson, descontentes com várias coisas (a partilha do dinheiro era apenas uma delas), decidiram sair.
A dissolução do Secos & Molhados foi anunciada em agosto de 1974, um dia depois da apresentação do clipe de “Flores astrais” no “Fantástico”. Todo o esquema de divulgação do segundo LP foi desativado e o disco teve vendagem e execução pífias – ao menos se comparadas às do disco de estréia. Uma pena, pois era tão bom quanto o primeiro e prosseguia na linha de musicar poemas de artistas consagrados: “Tercer Mundo” (de Julio Cortazar), “Não: não digas nada” (de Fernando Pessoa) e “O hierofante” (de Oswald de Andrade) estavam ao lado de “Flores astrais”, “Medo mulato”, “Oh! Mulher infiel”, “Vôo”, “Angústia”, “O doce e o amargo”, “Preto velho” e “Delírio” – todas excelentes. O álbum tinha outras duas faixas. “Toada & Rock & Mambo & Tango & etc” era um protesto contra a censura, com Ney, João e Gerson sussurrando “Diga que não sei de nada/nem posso saber” ao som de guitarra, baixo, bateria e sanfona. “Caixinha de música do João” era uma instrumental acompanhada pelos “lá-lá-lás” de Ney.
(Vale mencionar o lançamento, em 1980, de um LP com o registro do histórico show do Secos & Molhados que lotou o Maracanãzinho em 1974. Infelizmente, a gravação é muito ruim: em vários momentos, as vozes dos cantores desaparecem ou são abafadas pelos instrumentos. Dispensável e nunca relançado, mas os vinis existentes são oferecidos a preços inacreditavelmente altos nos sebos e sites de compras.)
Capa do LP de 1980 que registra o histórico show do Maracanãzinho, em 1974. Dispensável, de tão mal gravado que foi.
Em 1975, todos os (ex-)integrantes do Secos & Molhados lançaram trabalhos. O LP de Ney, “Água do Céu-Pássaro”, estourou com a faixa “América do Sul” – apenas o primeiro dos muitos sucessos de uma carreira solo que dura até hoje e já rendeu 29 álbuns. Gerson gravou um LP em dupla com Zezé Motta, “Gerson Conrad e Zezé Motta”. Depois, lançou apenas um disco, “GC”, em 1981. Teve pouca repercussão, tanto na época quanto em 2002, quando foi relançado em CD com o nome “Rosto Marcado”. Gerson foi bem sucedido como arquiteto, profissão que já vislumbrava quando entrou para o Secos & Molhados. João Ricardo lançou um LP homônimo (chamado por muitos de “álbum rosa” devido à cor da roupa com que ele posou para a foto de capa) e prosseguiu compondo e gravando. Seu trabalho mais recente, “Puto”, é de junho de 2007.
Determinar o período de existência do Secos & Molhados pode suscitar longas (e infrutíferas) discussões. Para o público e para muitos historiadores, a banda existiu apenas entre meados de 1973 e agosto de 1974 – ou seja, a fase de sucesso comercial. Mas o nome Secos & Molhados foi registrado por João Ricardo em 1970. Ney entrou no final de 1971 e Gerson no começo do ano seguinte. Até a gravação do primeiro LP, vários outros músicos passaram pelo S&M.
"A volta do Gato Preto", de 1988, com João Ricardo (à direita) e Totô Braxil na capa: tentativa de reviver o antigo sucesso usando referências ao período 1973/1974.
Após a saída de Ney e Gerson, João Ricardo lançou, além dos trabalhos solo, cinco ou seis discos do Secos & Molhados. Cada um teve uma formação diferente e nenhum chegou perto do sucesso de 1973/1974, apesar da divulgação gerada pelo nome e pelas muitas referências ao período da “formação clássica”. “Secos & Molhados”, de 1978, abre com uma faixa intitulada “Que fim levaram todas as flores?”. Dois anos depois, viria “Secos e Molhados” (assim mesmo, com o “&” sendo substituído por “e” na arte da capa), que fecha com “Vira Safado”. O LP “A volta do Gato Preto” (1988) tentou reviver a receita de outrora no título, no visual extravagante do músico Totô Braxil (parceiro de João até 1990) e na própria capa (uma foto de João e Totô sentados a uma mesa repleta de elementos presentes na capa do LP de 1973). A impressão geral é que João Ricardo nunca admitiu que, para o grande público, o Secos & Molhados acabou com a saída de Ney e Gerson em 1974.
Encontrar o CD “Dois em um”, que juntou os LPs de 1973 e 1974, não é tarefa das mais difíceis. Vale a pena ouvi-lo e conferir por que o Secos & Molhados é lembrado até hoje.
1 ouvintes curtindo:
bom blog....blogueiro sabe o que faz...
abraço
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